Durante a “Semana de Arte Moderna de 1922”, um poema foi lido por Ronald de Carvalho. Seu autor não pode comparecer ao teatro por motivos de saúde. Aqueles versos ironizavam o jeito parnasiano de fazer literatura. A plateia reagiu com gritos e vaias. A sessão foi interrompida. “Os Sapos” é o poema em questão, o poeta, Manuel Bandeira. Poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1940, tornando-se o terceiro a ocupar a Cadeira 24.
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu em Recife, no ano de 1886. Ainda jovem, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde fez seus estudos secundários. Em 1903, transferiu-se para São Paulo, matriculando-se na Escola Politécnica. Acometido de tuberculose, abandonou os estudos e voltou para o Rio de Janeiro. A partir daí, desenganado várias vezes pelos médicos, iniciou uma peregrinação pelas melhores casas de saúde situadas em estações climáticas do Brasil e da Europa. Viveu solitariamente, apesar dos amigos e das reuniões na ABL. Morreu aos 82 anos , em 1968.
Bandeira era dono de um estilo simples e direto. Lírico, embora tenha escrito estar “farto do lirismo comedido/ do lirismo bem comportado”. Buscou na própria vida inspiração para seus grandes temas: família, morte, a infância no Recife, o rio Capibaribe, as ruas por onde transitam os tipos mais diversos. Versos escritos no melodioso português do Brasil. E em tudo, uma pitada de humor, uma dose certa de ceticismo, ironia, amargura, tristeza, alegria e a idealização de um mundo melhor.
“Libertinagem” (1930) foi o mais celebrado de seus livros, uma das mais importantes obras da literatura brasileira. Nele aparecem poemas como “Poética”, “O Cacto”, “Pneumotórax”, “Evocação do Recife”, “Poema tirado de uma notícia de jornal”, “Irene no Céu”, e “Vou-me embora pra Pasárgada”.
Poética
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
(Manuel Bandeira)
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe - d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
(Manuel Bandeira)
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