quinta-feira, 31 de outubro de 2019

As Meninas do Blog entrevistam: Lee Mills

Foto: leemillsconductor.com

Conhecido internacionalmente como um maestro apaixonado, multifacetado e enérgico, o norte-americano Lee Mills deixou a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) em abril deste ano, após quatro anos e meio como maestro assistente e, mais tarde, residente. Foi durante o “Concerto em Choro”, que lotou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, que Lee Mills se despediu do público brasileiro, em meio à grande emoção. Aplaudido de pé, ele agradeceu o carinho e revelou não ter conhecido um público mais caloroso, carinhoso.
“Carinhoso é exatamente o que eu sinto sempre quando penso sobre o povo carioca. Vocês são maravilhosos! Desde que eu cheguei aqui, vocês me fizeram sentir parte dessa grande cidade, na qual eu tive a honra de estar à frente desses músicos. Peço a vocês que sempre apoiem a OSB, que é um patrimônio do Brasil.”
Seus trabalhos de regência fora da OSB incluem a Sinfônica Nacional dos Estados Unidos, a Filarmônica de Los Angeles, a Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), a Sinfônica de Saint Louis e a Sinfônica de Baltimore.

Foto: Cícero Rodrigues.

Blog For You: Como você se tornou Maestro? Era um sonho de infância?
Lee Mills: Comecei a estudar música com quatro anos de idade. Meus pais tinham um amigo que, em recompensa por um trabalho que fizeram, deu a eles um piano. Pedia muito a minha mãe que me colocasse na aula de piano. Nos primeiros dois anos, estudava dois, três meses e parava. Depois, comecei a estudar piano com mais regularidade. Aos sete anos de idade, comecei a cantar no coral da escola e, aos oito, a tocar trompete na banda sinfônica da escola. Aos doze, tocava na banda de jazz, a Big Band e, assim, passei todo o ensino médio. Quando fui para a faculdade, já sabia que faria música. Após fazer um semestre de regência, o que era obrigatório no curso, fiquei fascinado com as partituras, com o jeito como os compositores usavam os instrumentos da orquestra. No terceiro ano da faculdade, juntei meus amigos e alguns professores e fizemos uma orquestra. Foi muito legal! Na faculdade, me formei em música. Depois, passei para a pós graduação em regência, no Peabody Institute, em Baltimore, Maryland, cujo professor era, na época, Gustav Meier, provavelmente o mais reconhecido professor de regência dos Estados Unidos. Marin Alsop, maestrina da Orquestra Sinfônica de Baltimore, me viu no curso, em uma das vezes em que foi professora convidada, e me chamou para ser conductor fellow, uma espécie de aprendiz, na Baltimore Symphony, onde fiquei por um ano. Quando regia uma orquestra de uma universidade próxima à Baltimore, vi um anúncio sobre a vaga na OSB e mandei meu material. Isso foi em 2014.

Blog For You: Antes de vir para o Brasil, o quê você conhecia da nossa música?
Lee Mills: Essa é uma boa pergunta. No Conservatório, a gente aprende que o Brasil tem música clássica sim, mas só falamos de Villa-Lobos e de sua Bachiana nº 5. Não tinha ideia nenhuma de que o Brasil tinha essa tradição de música clássica tão forte. Aliás, eu diria que, até o século XX, a música  clássica, a música orquestral, era mais forte aqui que nos Estados Unidos, pois a maioria dos compositores norte-americanos dos quais falamos são do século XX. O Brasil tem compositores barrocos, compositores da época clássica, romântica, século XX, uma tradição muito forte de música clássica que eu nem sabia.

Blog For You: O Brasil te abraçou...
Lee Mills: É… Me abraçou mesmo. Eu me senti bem vindo. Quando cheguei aqui, todo mundo foi muito legal comigo. O povo aqui é muito carinhoso, caloroso. O público do concerto sempre gosta das peças. Podemos colocar a peça mais maluca do mundo, que às vezes nem receberia aplausos lá fora, que o público aqui recebe de braços abertos. Acho que é porque o público aqui agradece, aprecia música clássica, mesmo que a peça não seja necessariamente a seu gosto, seja a mais esquisita, mas a pessoa aprecia a força que foi para criar essa música, para toca-lá, compô-la. Acho que isso é uma coisa maravilhosa dos brasileiros, algo que você não vê em todos os países. Depois tem as críticas, mas na hora público é muito caloroso. Eu adoro isso no Brasil. Vou sentir falta dessa energia porque a interação do público aqui é muito forte.

Foto: leemillsconductor.com


Blog For You: Você está voltando para os Estados Unidos... pretende ficar muito tempo lá?
Lee Mills: Não sei ainda quanto tempo vou ficar por lá. (Mills assumiu o posto de maestro associado na Orquestra Sinfônica de Seattle, em setembro, e realizará uma grande variedade de concertos durante a temporada 2019-2020. Ele também atuará como maestro assistente para regentes titular e convidados durante a maior parte da temporada.)

Blog For You: Sabemos que você pegou uma fase muito difícil da OSB...
Lee Mills: Sim. Quando fiz minha inscrição, minha audição, o Brasil era um foguete para as estrelas, né? Foi em 2014. Eu cheguei em setembro, as coisas estavam indo bem ainda. Uns quatro meses depois, o país entrou em crise. Verba e incentivo diminuíram. Foi difícil ver a Orquestra passar por isso.

Blog For You: Percebemos que você gostou do Rio mesmo, né?
Lee Mills: Eu adoro o Rio de Janeiro! Estou fazendo essa mudança por dois motivos: primeiro, é muito emocionalmente desgastante trabalhar em uma crise assim, mesmo que as coisas já estejam começando a entrar nos eixos. A verba da OSB este ano é a metade do que era em 2014. Ficamos sem lugar adequado para os ensaios, por exemplo, o que influencia no aprimoramento de uma Orquestra que já tem um nível muito alto e poderia estar rendendo o dobro. Vou para a Sinfônica de Seattle por acreditar que será uma experiência boa para minha carreira e na área pessoal também, mas adoro o Rio de Janeiro e teria muita vontade de voltar, depois de crescer um pouquinho mais.

Foto: Cícero Rodrigues.

Blog For You: A tua entrega, no palco, é única...
Lee Mills: Obrigado! Eu acho que tem duas perspectivas nisso. Primeira é que, quando estou no pódio, na frente à Orquestra, independe da música, não tenho uma favorita. Eu estudei tanto sobre música, que me apaixonei pela música. Tem peças que são ruins sim, nunca vou gostar, mas gênero de música, para mim só tem dois, música boa e música ruim (risos). Por mim pode ser uma peça contemporânea, uma peça romântica, algumas chegam até a ser bregas, mas quando as estudo e entendo o que está na mente do compositor, eu fico apaixonado pela música. E o que superficialmente parece ser uma peça muito brega, pode ser muito profunda. Eu adoro o que estou fazendo e, quando estou no pódio na frente da orquestra, eu tenho a sensação de que é o único lugar no mundo em que eu queria estar. Não existe momento mais feliz do que quando estou na frente de uma orquestra. Eu fico muito feliz por estar no palco, mas mais feliz ainda quando estou criando a música com a orquestra. O segundo ponto é que tem músicos clássicos que pensam que a arte tem que ser algo muito sério. Não é que eu não leve a sério meu trabalho. Eu estudo muito em casa, com muita seriedade. Mas na hora que estamos no palco, na minha perspectiva sobre arte em geral, mas ainda mais sobre as artes de performance, quando estamos ao vivo com um público presente, seja em um ballet, música, teatro ou Ópera, pode ser triste, pode ser trágico, pode ser comédia, qualquer um dos gêneros, é entretenimento. Estamos diante de pessoas que estão lá para se emocionar junto com a gente. Acho que o público faz parte do concerto tanto quanto a orquestra. Quanto mais a vontade o público estiver, mais ele vai absorver da arte que estamos proporcionando. 

Blog For You: Percebíamos uma sintonia entre você e a OSB... Você voltaria?
Lee Mills: Sim, se daqui a dois, três anos a OSB estiver melhor e me chamar, com certeza eu vou voltar. Eu amo o Rio de Janeiro e estou mega triste porque terei que sair desta cidade. Felizmente, estou criando vários projetos, que eu estou desenhando ainda, e espero poder voltar ao Rio com frequência. Mesmo que não tenha projetos, vou voltar aqui nas férias porque eu adoro essa cidade. Foi a única cidade que eu morei na vida, que eu realmente sinto falta quando estou fora. Eu me apaixonei por essa cidade e todas as coisas que ela tem. Uma energia de vida muito crua que, sim, tem suas falhas, coisas que poderiam ser muito melhores, mas ao mesmo tempo, você  sai à rua e a energia da cidade é, tipo, palatável, é uma coisa, tipo, vibrando o tempo todo. É mega desorganizada, a cidade mais contraprodutiva do mundo, mas é uma energia tão gigante, que não tem como ficar de fora dessa.

Ana Cavalieri, Lee Mills e Maria Cristina Lagoas, após o concerto que marcou a última apresentação
de Lee Mills à frente da Orquestra Sinfônica Brasileira, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Foto: Cícero Rodrigues.




segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Coppélia - Ballet e Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal


O Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, depois de três anos, trouxe de volta à cena um grande ballet, com todo seu repertório e atos. 
Coppélia estreou para o grande público em 28 de setembro com casa lotada. No palco, o trabalho dedicado do coreógrafo Enrique Martinez, do cenógrafo e figurinista José Varona, a direção e mise-en-scène de Dalal Achcar tomaram corpo através dos magníficos bailarinos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
O espetáculo, baseado em um conto fantástico de E.T.A. Hoffmann, tem como personagens principais o Doutor Coppelius, Swanilda - a jovem mais bonita da aldeia de Cracóvia - e seu noivo Franz.  Certo dia, ele fica encantado por uma menina que todas as tardes dedica-se à leitura na janela da casa do Doutor Coppelius e faz de tudo para chamar a sua atenção, mas não obtém reação. Swanilda os flagra e promete vingar-se. Com suas amigas, entra na casa do Doutor Coppelius. A sala está cheia de pessoas que não se movem. As moças descobrem que essas pessoas são, na verdade, bonecos mecânicos em tamanho real. Swanilda encontra também a menina leitora, Coppélia, atrás de uma cortina.
Assistimos a um ballet muito bem ensaiado, com solistas em ótima forma, em belíssimos figurinos e cenários caprichados, ao som da impecável Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, regida por Tobias Volkmann. O Maestro - Principal Regente Convidado da Orquestra Sinfônica Nacional da UFF - juntou-se aos bailarinos para agradecer ao público, no final do espetáculo.


Por Ana Cavalieri e Maria Cristina Lagoas.
Fotos: Maria Cristina Lagoas para Blog For You.