A Academia Brasileira de Letras (ABL) encerrou seu ciclo de conferências do mês de agosto, na última quinta-feira, dia 30, com o tema “Osman Lins, 40 anos depois, mais atual”, apresentado pelo escritor Hugo de Almeida.
Coordenado pela Acadêmica Ana Maria Machado, o Ciclo de Conferências “Cadeira 41” constitui homenagem póstuma a autores ausentes da ABL. Foram temas os escritores Antenor Nascentes, Domingos Olympio, Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato e Osman Lins.
Foto: Google Images |
Osman da Costa Lins nasceu em Vitória de Santo Antão, interior do estado de Pernambuco, em 05 de julho de 1924. Ficou conhecido por seus contos, romances e peças de teatro, obras intrinsecamente ligadas à sua biografia, posto que nelas aparecem muitos dos fatos que marcaram sua vida pessoal, como a perda da mãe logo após seu nascimento:
“O traço fundamental da minha vida é que, dezesseis dias depois que nasci, perdi minha mãe. Fui criado pela minha avó, por outros parentes... Minha mãe não deixou fotografia, de modo que eu fiquei com essa espécie de claro atrás de mim. Dizem que ela se parecia com uma das minhas filhas, não sei. Mas esse negócio acho que me marcou bastante. Já tive oportunidade de dizer que isso configura a minha vida como escritor, pois parece que o trabalho do escritor, metaforicamente, seria construir com a imaginação um rosto que não existe. Isso talvez tenha me conduzido a suprir de algum modo, através da imaginação, essa ausência. Não digo que tenha sido traumatizado, mas tenho a impressão que a coisa me marcou. Em consequência dessa morte, passei minha infância praticamente sozinho.” (Revista Escrita, ano II, nº 13, 1976)
Durante a palestra, Hugo de Almeida falou sobre a atualidade e fortuna crítica da obra osmaniana, desde sua estreia com o romance “O Visitante”, em 1955, premiado pela ABL, até “A Rainha dos Cárceres da Grécia”, de 1976, passando por aquele que é considerado a obra-prima do autor, “Avalovara”, 1973. Este, segundo o crítico literário Antônio Cândido, constitui um momento de decisiva modernidade na literatura brasileira.
De estrutura complexa e inovadora, “Avalovara” é construído com base no quadrado sator, uma espécie de quadrado mágico composta por cinco palavras latinas: SATOR, AREPO, TENET, OPERA, ROTAS, que, consideradas em conjunto, dão lugar acum palíndromo. No romance, a criação do palíndromo é atribuída a Loreius, um escravo de Pompeia que, a fim de obter sua liberdade, aceita o desafio de seu amo e compõe o quadrado mágico. No entanto, é traído por uma cortesã, a quem havia confiado o segredo.
A busca pela liberdade de Loreius se alterna com a história de Abel, um jovem escritor bralsileiro que busca seu amor em cidades como Recife, São Paulo, Amsterdã e Roma, ao mesmo tempo em que tenta compreender a relação entre o artista e a obra, a partir de uma possível interpretação da frase inscrita no quadrado - “O Criador mantém cuidadosamente o mundo em sua órbita “.
Quadrado Sator. Foto: Google Images. |
“... Inventei esse pássaro, não o nome. Pensava guardar para mim o segredo, mas revelo-o. Há uma divindade oriental, um ser cósmico, de cujos olhos nasceram o sol e a lua; de sua boca, os ventos; de seus pés, a Terra. Assim por diante. É lâmpada para os cegos, A água para o sedentos, pai e mãe dos infelizes. Tem muitos braços, pois não lhe falta trabalho no mundo. Seu nome é Avalokiteçvara. Não foi difícil, aproveitando o nome, chegar ao nome claro e simétrico de “Avalovara”, que muitas pessoas acham estranho“ (Revista Veja, 1973).A simetria da linguagem e o uso consciente dos recursos gráficos eram uma preocupação do autor e, aliados ao lema osmaniano “ explorar, inovar, não se repetir”, fizeram do multifacetado autor uma voz bastante original dentro da literatura brasileira.
Outra obra abordada pelo conferencista Hugo de Almeida foi “A Rainha dos Cárceres da Grécia”, um livro sobre o INPS (atual INSS), segundo o próprio Osman Lins. “Os que acham que eu estaria desinteressado dos problemas brasileiros vão ficar decepcionados”, disse em entrevista à Revista Escrita, em 1976.
“ A Rainha dos Cárceres da Grécia é o seguinte: dona de Pernambuco e amante de um sujeito em São Paulo, escreve um romance, na companhia dele, sobre uma certa Maria de França, que deseja obter um benefício do INPS, sem jamais conseguir. Depois ela morre sem que o romance tenha sido publicado, e o amante da pseudo-autora põe-se a escrever uma meditação sobre este livro. Esta meditação é que é O livro que o leitor vai ler. É através dela, deste ensaio fictício sobre esse livro que na realidade não existe, é que o romance desta mulher vai aparecendo. Vai aparecendo em camadas e, ao contrário do que preceituam os estudos literários contemporâneos, o ensaísta não se distancia da obra, ao contrário, ele termina por integrar-se de tal modo que vem a transformar-se num dos seus personagens.” (Revista Escrita, ano II, nº13, 1976)
A sensação que nos dá a obra de Osman Lins é de ruptura e reinvenção. Uma ruptura tão radical que, paradoxalmente, revela ao mesmo tempo uma permanência muito forte. Rompe-se a forma, mantém-se o rigor do fazer literário, que se reinventa pela escrita de Osman. Suas obras mostram que o autor continua atual. “Quem ler Osman Lins vai ver muito do Brasil de hoje”, disse o conferencista, citando, em seguida, trechos dos textos de Lins que fizeram a atenta plateia estabelecer links com a atual situação brasileira.
Osman Lins nos deixou em julho de 1978. Herdamos dele vasta obra que, como toda grande arte, é imperecível.
Foto: Google Images |
Nenhum comentário:
Postar um comentário